28 de mar. de 2008

Segurança, diversidade e solidariedade: os paradigmas de Denninger no Estado constitucional

por Farlei Martins Riccio

Erhard Denninger (Diritti Dell´uomo e Legge Fondamentale, Torino: Giappichelli) evoca o aparecimento de uma nova visão constitucional baseada na segurança, diversidade e solidariedade, em substituição à tríade tradicional da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Segundo Denninger esse novo paradigma surge como sendo a idéia central e a força propulsora por trás de muitos debates recentes sobre reforma constitucional nos Länder alemães.

A passagem da igualdade para diversidade ocorre em função de um novo ideal constitucional que deixa de ser direcionado à síntese de um todo universal para a coexistência de uma pluralidade de identidades étnicas, culturais e lingüísticas visando a proteção de minorias e dispositivos sustentando interesses minoritários, frequentemente incompatíveis.

Esse desejo por diversidade é compensado no principio da solidariedade, que “não é usado apenas para decorar preâmbulos”, mas que ganhou expressão em dispositivos constitucionais suplementares e protetivos. Inobstante reconhecer o autor que a substância jurídica e ética da solidariedade permanece indeterminada, a solidariedade, por outro lado, significa uma vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que nos compele a oferecer ajuda, enquanto se apóia na similitude de certos interesses e objetivos de forma a, não obstante, manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. Significa também, em termos jurídicos, uma rejeição do caráter vinculante de sistemas de valor universais, e a renúncia da exigência de ser igual ao outro tanto em posse quanto em consciência. Segundo Denninger, “o caráter vinculante geral de uma postura solidária repousa no conhecimento da subjetividade relativa de toda experiência de valor e na renúncia ao desejo de forçar os outros a serem felizes”. Antes e acima de tudo, a solidariedade também exige uma constante transcendência dos próprios pequenos preconceitos nascidos de um etnocentrismo primitivo.

Já a segurança não possui mais o mesmo significado que lhe emprestou a Revolução Francesa e o Estado de Direito formal, ou seja, de uma segurança garantida pelo direito, de viver pacificamente, sem armas, sem violência, e no sentido jurídico do termo, a ação limitada e calculável da ação do Estado e a certeza do direito fundada na sua clara e inequívoca cognição. Segurança significa agora o prospecto da atividade ilimitada e infindável patrocinada pelo Estado em favor da proteção dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos e ambientais. Isto deve ser reconhecido como a face do “estado preventivo” (sobre essa noção veja o post anterior com a entrevista de Alan Dershowitz e a obra de Dieter Grimm, Constitucionalismo y derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2006). O estado de prevenção de Denninger é inspirado pela máxima segurança, de cuja evolução decorre duas conseqüências: o direito fundamental como dever de proteção do estado; o direito fundamental à segurança.

Esse novo paradigma de Denninger, ainda que passível de crítica no contexto de outros sistemas jurídicos constitucionais (consulte-se ROSENFELD, Michel. O Constitucionalismo americano confronta o novo paradigma constitucional de Denninger, Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 88, dez/2003) tem encontrado reconhecimento na jurisprudência do Conselho de Estado francês, no qual foi mantida a proibição da utilização de sementes de milho transgênico até que a Corte possa decidir sobre o suporte científico a respeito da segurança no uso dessa tecnologia agrícola (French Court Says Ban on Gene-Altered Corn Seed Will Remain, Pending Study, New York Times, 20.03.08), bem como um reconhecimento implícito na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro, como por exemplo, no HC 83.554-6/PR, em que o Relator Min. Gilmar Mendes refere o problema da sociedade de risco nos atos lesivos ao meio ambiente.

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