29 de mar. de 2008

Ato legislativo

Medida Provisória nº 422, de 25 de março de 2008
Dá nova redação ao inciso II do § 2º-B do art. 17 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição, e institui normas para licitações e contratos da administração pública.

A medida amplia de 500 hectares para até 1.500 hectares as propriedades fundiárias na Amazônia Legal passíveis de regularização sem a necessidade de licitação. A dispensa abrange áreas de até 15 módulos fiscais. De acordo com o diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, Roberto Kiel, a MP poderá legalizar cerca de 90% dos posseiros da região. (FSP, 26.03.08)

Ouça comentários de aúdio sobre a medida:


Livros Jurídicos

Eficácia nas Concessões, Permissões e Parcerias
CARLOS PINTO COELHO MOTTA
Editora: Del Rey, 670 págs. R$ 88
O livro oferece comentários, jurisprudência e quadros informativos inerentes à concessão, à permissão e à parceria.

O Fomento da Administração Pública
CÉLIA CUNHA MELLO
Editora: Del Rey, 218 págs.

Autorização Administrativa
CID TOMANIK POMPEU
2 ed. rev., atual. e ampl. Editora: Revista dos Tribunais, 240 págs.

Teoria das Nulidades do Ato Administrativo
CARLOS BASTIDE HORBACH
Editora: Revista dos Tribunais, 318 págs.

Estado, Direito e Ética: ensaios sobre questões de nossa época
OBRA COLETIVA. Orgs. Nilson Borges Filho e Fernando Filgueiras
Editora: Granbery, 168 págs.

Hegel e o Estado
FRANZ ROSENZWEIG. Tradução de Ricardo Timm de Souza.
Editora: Perspectiva, 656 págs. R$ 118
Considerada obra de grande importância nas pesquisas sobre a filosofia de Friedrich Hegel (1770-1831), traz o conceito de Estado em sua obra. Prefácio do filósofo Roberto Romano.

28 de mar. de 2008

Nova regulação da economia?

por Farlei Martins Riccio

Diante da crise imobiliária norte-americana, que se alastra pelo sistema bancário, o pré-candidato à presidência dos EUA Barack Obama apresentou seis medidas para a crise que têm como principal base uma maior regulamentação do mercado de crédito. Entre elas estão a expansão da supervisão sobre as instituições que tomam dinheiro emprestado do governo e a organização das agências encarregadas dessa regulamentação. (Obama propõe regular economia. Folha de São Paulo, 28.03.08).

Anteriormente, o Federal Reserve já havia adotado medida de socorro ao sistema bancário, abrindo uma linha emergencial de crédito direto para bancos em dificuldades e ainda reduziu o juro dessas operações, a chamada taxa de redesconto (Socorro a banco dos EUA assusta mercado. Folha de São Paulo, 18.03.2008). Sobre essa medida, Alan Greenspan comentou em artigo que a atual crise financeira nos Estados Unidos provavelmente será vista em retrospecto como a mais dolorosa depois da Segunda Guerra Mundial. (We will never have a perfect model of risk. Financial Times, 16.03.2008).

Numa perspectiva histórica, a atuação do Estado na economia se deu em três fases distintas: A primeira delas, exibe um Estado de funções reduzidas, confinadas à segurança, justiça e serviços essenciais (Estado liberal). A segunda fase, iniciada na segunda década do século que se encerrou, traz uma ideologia Marxista, onde o Estado assume diretamente alguns papeis econômicos, tanto como condutor do desenvolvimento como outros de cunho distributivista, destinados a atenuar certas distorções do mercado e a amparar os contingentes que ficavam à margem do progresso econômico (Estado social). A terceira e última fase (final do século XX), encontra o Estado sob crítica cerrada, assemelhando-o com a idéia de ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Cf. BARROSO, Luis Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e Legitimidade Democrática. in NETO, Diogo de Figueiredo Moreira (coord.), Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

Nos EUA, a partir do século XX, a Era Lochner foi paulatinamente substituída por uma cada vez mais intensa presença regulatória do Estado, chancelada por sucessivas decisões da Suprema Corte. Foram tão profundas as mudanças no papel reservado ao Estado americano em matéria econômica que alguns autores chegam ao ponto de qualificar essa brusca alteração de rota como uma verdadeira “revolução sem derramamento de sangue” (a bloodless revolution). Cf. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências reguladoras: a metamorfose do Estado e da Democracia. Uma reflexão de Direito Constitucional e Comparado. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, a. 13, n. 50, jan./mar. 2005.

Com a proposta apresentada por Barak Obama e as recentes decisões do FED, fica a indagação: os EUA dão um passo atrás na condução da política econômica do Estado, iniciando uma segunda “bloodless revolution” ou estamos diante de um outro tipo regulação econômica, com novas premissas e fundamentos?

Segurança, diversidade e solidariedade: os paradigmas de Denninger no Estado constitucional

por Farlei Martins Riccio

Erhard Denninger (Diritti Dell´uomo e Legge Fondamentale, Torino: Giappichelli) evoca o aparecimento de uma nova visão constitucional baseada na segurança, diversidade e solidariedade, em substituição à tríade tradicional da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Segundo Denninger esse novo paradigma surge como sendo a idéia central e a força propulsora por trás de muitos debates recentes sobre reforma constitucional nos Länder alemães.

A passagem da igualdade para diversidade ocorre em função de um novo ideal constitucional que deixa de ser direcionado à síntese de um todo universal para a coexistência de uma pluralidade de identidades étnicas, culturais e lingüísticas visando a proteção de minorias e dispositivos sustentando interesses minoritários, frequentemente incompatíveis.

Esse desejo por diversidade é compensado no principio da solidariedade, que “não é usado apenas para decorar preâmbulos”, mas que ganhou expressão em dispositivos constitucionais suplementares e protetivos. Inobstante reconhecer o autor que a substância jurídica e ética da solidariedade permanece indeterminada, a solidariedade, por outro lado, significa uma vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que nos compele a oferecer ajuda, enquanto se apóia na similitude de certos interesses e objetivos de forma a, não obstante, manter a diferença entre os parceiros na solidariedade. Significa também, em termos jurídicos, uma rejeição do caráter vinculante de sistemas de valor universais, e a renúncia da exigência de ser igual ao outro tanto em posse quanto em consciência. Segundo Denninger, “o caráter vinculante geral de uma postura solidária repousa no conhecimento da subjetividade relativa de toda experiência de valor e na renúncia ao desejo de forçar os outros a serem felizes”. Antes e acima de tudo, a solidariedade também exige uma constante transcendência dos próprios pequenos preconceitos nascidos de um etnocentrismo primitivo.

Já a segurança não possui mais o mesmo significado que lhe emprestou a Revolução Francesa e o Estado de Direito formal, ou seja, de uma segurança garantida pelo direito, de viver pacificamente, sem armas, sem violência, e no sentido jurídico do termo, a ação limitada e calculável da ação do Estado e a certeza do direito fundada na sua clara e inequívoca cognição. Segurança significa agora o prospecto da atividade ilimitada e infindável patrocinada pelo Estado em favor da proteção dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos e ambientais. Isto deve ser reconhecido como a face do “estado preventivo” (sobre essa noção veja o post anterior com a entrevista de Alan Dershowitz e a obra de Dieter Grimm, Constitucionalismo y derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2006). O estado de prevenção de Denninger é inspirado pela máxima segurança, de cuja evolução decorre duas conseqüências: o direito fundamental como dever de proteção do estado; o direito fundamental à segurança.

Esse novo paradigma de Denninger, ainda que passível de crítica no contexto de outros sistemas jurídicos constitucionais (consulte-se ROSENFELD, Michel. O Constitucionalismo americano confronta o novo paradigma constitucional de Denninger, Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 88, dez/2003) tem encontrado reconhecimento na jurisprudência do Conselho de Estado francês, no qual foi mantida a proibição da utilização de sementes de milho transgênico até que a Corte possa decidir sobre o suporte científico a respeito da segurança no uso dessa tecnologia agrícola (French Court Says Ban on Gene-Altered Corn Seed Will Remain, Pending Study, New York Times, 20.03.08), bem como um reconhecimento implícito na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro, como por exemplo, no HC 83.554-6/PR, em que o Relator Min. Gilmar Mendes refere o problema da sociedade de risco nos atos lesivos ao meio ambiente.

25 de mar. de 2008

Estado de prevenção

Alan Dershowitz, Professor da Harwad Law School, analisa a insurgência do estado de prevenção, inspirado pela máxima segurança patrocinada pelo Estado em favor dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos e ambientais.



http://www.bigthink.com/truth-justice/4044

Desapropriação confiscatória: qual o limite da área expropriada?

A 2ª Turma do STF decidiu submeter o RE 543974/MG, rel. Min. Eros Grau, ao Plenário para decidir se a desapropriação confiscatória prevista no art. 243, da CF, restringe-se à área efetivamente cultivada ou estende-se a todo o terreno (“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”).

Fonte: Informativo STF n. 498/2008

18 de mar. de 2008

Empresa pública prestadora de serviço público: natureza jurídica e extensão da imunidade tributária

por Farlei Martins Riccio

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a atuação do Estado na economia se dá: mediante a exploração estatal de atividade econômica (arts. 173 e 177), que será necessária, quando o exigir a segurança nacional ou o interesse coletivo relevante, tanto um quanto outro definido em lei. Os instrumentos de participação do Estado na economia serão: as empresas públicas; as sociedades de economia mista; outras entidades estatais ou paraestatais, vale dizer, as subsidiárias (art. 37, XIX, XX e art. 173 §§ 1º, 2º e 3º). Ocorrerá, ainda, a atuação estatal na economia: com monopólio (art. 177), incidindo, basicamente, em três áreas: petróleo, gás natural e minério ou minerais nucleares.

Já a intervenção do Estado no domínio econômico dar-se-á: figurando o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, fiscalizando, incentivando e planejando. Os instrumentos dessa intervenção são as autarquias especiais (agências reguladoras).

Segundo o disposto no art. 173 § 1º, inciso II, da Constituição Federal, a empresa pública e a sociedade de economia mista que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

No último dia 17.03, no julgamento das Ações Cíveis Originárias 1095 e 959, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, garantiu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública federal prestadora de serviço público, os benefícios da imunidade recíproca, previstos no artigo 150, VI, "a", da Constituição Federal. Na primeira ação (ACO 1095), o STF manteve liminar concedido pelo ministro Carlos Ayres Britto que suspendeu a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre transporte de encomendas realizado pela Empresa para o estado de Goiás. Na segunda ação (ACO 959), ficou decidido que a ECT não precisa pagar IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) sobre seus veículos para o estado do Rio Grande do Norte.

Com essas decisões, o plenário do STF reafirma os precedentes do RE 407099 e 230072, no sentido de que deve ser dado um tratamento jurídico diferenciado para as empresas públicas que explorem atividade econômica e aquelas prestadoras de serviços públicos. As primeiras se sujeitam ao regime próprio das empresas privadas, enquanto as empresas públicas prestadoras de serviços públicos possuem natureza jurídica de autarquia, às quais não tem aplicação o art. 173 § 1º da Constituição Federal.

Dessa forma, sendo a ECT empresa prestadora de serviço público, obrigatório e exclusivo da União (art. 21, X), ela encontra-se abrangida pela imunidade tributária garantida pela Constituição Federal (art. 150, VI, alínea ‘a’).

Fonte: Notícias STF

16 de mar. de 2008

Retórica de integração e prática de fragmentação

Por Farlei Martins Riccio

Juan Gabriel Tokatlian, sociólogo argentino, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (Lógica da "guerra contra o terror" ameaça democracias latino-americanas, 10.03.08), comenta a crise desatada pela operação colombiana que matou o número 2 das Farc em território equatoriano. A crise política, em sua opinião, coloca a América Latina em uma encruzilhada: ou incorpora os paradigmas da "guerra ao terror", que privilegia a abordagem militar do problema do paramilitarismo - da guerrilha ao crime organizado -, ou decide que se manterá dentro das regras do Estado de direito.

Segundo Tokatlian, o que ocorreu tem três faces. A primeira, fundamental, é que se produziu um ato violento, que afetou as relações interamericanas, significou uma violação do direito internacional e vai ter profundas repercussões futuras. Provavelmente se instalou aqui definitivamente a noção da guerra contra o terrorismo, que era mais própria do Oriente Médio, da Ásia Central, do Chifre da África etc. Em segundo lugar, no campo específico da Colômbia, o que se produziu foi menos o exercício de um presidente que seguia exigências de Washington e muito mais a oportunidade política interna de dar às Farc um golpe demolidor: “Provavelmente estamos em um ponto de inflexão muito significativo da confrontação armada na Colômbia. Por isso, para grande parte da população colombiana, a ação foi percebida como uma vitória. Mas ela foi conseguida por meio de um instrumento ilegal e ilegítimo do ponto de vista latino-americano.” O terceiro ponto - e nisso o mais afetado é o Brasil - é que desmoronou a noção de que a América Latina ia a caminho da união sul-americana. Para o sociólogo argentino, esse projeto, que o Brasil em particular defende tanto, caiu como um castelo de cartas. "A América do Sul não pôde se antecipar a isso, nem evitar que se rompessem relações entre países, nem conseguiu que a solução seja segura e definitiva. Aqui há cada vez mais retórica de integração e prática de fragmentação."

Esse terceiro aspecto da entrevista de Juan Gabriel Tokatlian merece nossa atenção.

Como se sabe, o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul, instituído pelo Tratado de Assunção de 1991 (promulgado no Brasil pelo Decreto n. 350/91, sendo que a estrutura institucional foi aprovado com o Protocolo de Ouro Preto, de 17/12/94, promulgado no Brasil pelo Decreto n. 1901/96), objetiva a formação de livre comércio, seguida de uma união aduaneira, mediante o estabelecimento de uma tarifa externa comum, para finalmente formar um verdadeiro mercado comum, permitindo o livre movimento de mercadorias, serviços, pessoas e capital, sem aplicar barreiras alfandegárias e não alfandegárias em geral. Ademais, pretendendo um elevado grau de integração, os países membros do Mercosul aspiram a desenvolver organizações comunitárias, uma política macroeconômica e, inclusive, uma moeda comum.

Como ocorreu com a União Européia, dificuldades para a efetiva integração dos países da América Latina num mercado comum são apontadas pelos estudiosos do direito comunitário.

Assim reporta Manuel Carlos Lopes Porto (Teoria da Integração e políticas comunitárias: Coimbra: Almedina, 1997, p. 207): “As diferenças de dimensão dificultarão aliás o aprofundamento institucional, sendo designadamente difícil a formação de um Parlamento ou de um Tribunal quando um dos países tem 160 milhões de habitantes, um outro 33 milhões e os outros dois pouco mais de 3 milhões cada. Com uma representação mais ou menos proporcional a participação destes não teria significado e uma participação paritária levaria a uma subrepresentação inaceitável dos cidadãos do Brasil, com uma população quatro vezes superior à dos outros três em conjunto. Põe-se deste modo um problema de desequilíbrio (é muito menor na União Européia, havendo mais países e não chegando o país mais populoso, a Alemanha, a ter um quarto da população total) que justifica que a via a seguir tenha vindo a ser a da inter-governabilidade.”

Para José Angelo Faria (O Mercosul: princípios, finalidades e alcance do Tratado de Assunção. Brasília:1993) há uma indefinição de objetivos facilmente constatável e que permeia todo o Tratado de Assunção. “Fala-se em ‘mercado comum’ e em ‘reciprocidade’, quando se sabe serem de difícil conciliação. Propõem-se as partes a atingir metas ambiciosas, estipulando prazos que tornam quase impossível a sua execução tempestiva. Essa falta de clareza a cerca dos propósitos talvez se deva à diversidade de inspiração na redação de partes distintas do Tratado, para o qual se recorreu ora ao GATT, ora ao Tratado de Roma, ora ao Tratado de Montevidéu de 1980, circunstância que pode dificultar consideravelmente o trabalho do intérprete. (...) Inexiste uma organização internacional denominada Mercado Comum do Sul, o que cria certas dificuldades para a compreensão dos avanços posteriores ao Tratado de Assunção.”

E, por fim, assevera o referido autor:

“(...) Fiel ao individualismo que caracteriza as relações entre os países latino-americanos e impregnado da noção exclusivista de soberania nacional, o Tratado não outorga o exercício de nenhuma fração dos direitos de soberania dos Estados Partes aos órgãos por ele instituídos. (...) A sistemática de solução de controvérsias, introduzida pelo protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991, nesse contexto, pode ser interpretada como um indicativo positivo de uma postura mais benevolente para com a supranacionalidade que necessariamente deve acompanhar um processo de integração.”

Além das dificuldades acima citadas, a crise política envolvendo Venezuela, Equador e Colômbia, afeta diretamente o avanço do Mercosul para integração de outros países latino-americanos no mercado comum, já que a tendência beligerante das ideologias contrapostas nesses países acaba por contrariar o princípio fundamental da solidariedade entre os Estados membros, também denominado pela doutrina alemã de princípio da lealdade comunitária, que visa impedir a adoção de medidas unilaterais pelos partícipes da comunidade, contrariando normas ou mesmo interesses comunitários. (Dromi, Ekmekdjan e Rivera, Derecho Comunitario. Buenos Aires, 1995, p. 53/56).

Diagnóstico semelhante foi dado por Alexandre Demidoff no blog Teoria do Estado e Globalização: “Em um mundo no qual os países estão cada vez mais internacionalizados, em que formam-se blocos de atuação política poderosos como a União Européia, a América-Latina parece ainda dominada por ideologias de meados do século XX, ideologias essas que acabam por produzir pontos de tensão e alinhamentos perigosos, acabam também criando uma visão maniqueísta da política, formando um campo fértil para o surgimento de conflitos. A falta de uma percepção que governe a interdependência conforme alerta Antônio Negri pode levar os países latino-americanos a um isolacionismo perigoso que nem mesmo os mais poderosos Estados da atualidade globalizada se dão ao luxo de sustentar, dada sua lógica inviabilidade.”

Acumulação de cargos públicos: a natureza do cargo técnico

Por Farlei Martins Riccio

Segundo o disposto no art. 37, inciso XVI da Constituição Federal, é vedada acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, para as seguintes hipóteses: dois cargos de professor; um cargo de professor com outro, técnico ou científico; dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. No entanto, a Constituição Federal não conceitua ou define cargo técnico ou científico. No plano jurisprudencial, o STJ tem entendido que preenche referida exigência aquele cargo para cujo exercício sejam exigidos conhecimentos técnicos específicos e habilitação legal, não necessariamente de nível superior.

Seguindo esse precedente, em 12.03.08, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso de Silvana Lima contra o Município de Anori, no Amazonas (RMS 22835-AM).

Professora estadual, ela foi impedida de acumular o cargo com o de monitor educacional da Prefeitura de Anori, pois o STJ entendeu que as atribuições do cargo de monitor não preenchiam os requisitos de conhecimentos específicos.

Após analisar o texto constitucional e relembrar o entendimento do STJ sobre o assunto, o relator, ministro Arnaldo Esteves, verificou o conteúdo do Edital 1/04. O documento regulamentou o concurso público para monitor educacional em que Silvana Lima foi aprovada. Entre outras funções de um monitor educacional, estão as ações de auxiliar os professores no planejamento de atividades escolares e controlar a freqüência dos alunos. Diante das atribuições explicitadas no edital, o ministro concluiu que o cargo de monitor não pode ser acumulado com o de professor. “Verifica-se que as atribuições do cargo em tela são de inegável relevância, mas de natureza eminentemente burocrática, relacionadas ao apoio à atividade pedagógica. Não se confundem com as de professor. De outra parte, não exigem nenhum conhecimento técnico ou habilitação específica, razão pela qual, conforme o texto constitucional, é vedada sua acumulação com o cargo de professor.” Com a impossibilidade de acumulação, ressaltou o ministro, é desnecessário o julgamento da alegação de compatibilidade de horários para a execução do trabalho nos dois cargos.

Fonte: notícias STJ

14 de mar. de 2008

Jurisprudência comentada: direito urbanístico e espaço público

Por Farlei Martins Riccio

O processo de rápida urbanização pelo qual passaram os países da América Latina desde o século passado tem transformado estruturalemente os países do continente em termos territoriais, socioeconômicos, culturais e ambientais. Segundo Edésio Fernandes, a América Latina é hoje a região mais urbanizada do mundo em desenvolvimento, com 75% da população vivendo em cidades. No Brasil, a taxa de crescimento urbano tem aumentado exponencialmente. Em 1960, do total de 31 milhões de brasileiros, 44,7% viviam em áreas urbanas e 55,3% viviam em áreas rurais. Em 1970, 55,9% dos brasileiros viviam em áreas urbanas. Em 2000, da população total de 170 milhões, 81,2% viviam em áreas urbanas e apenas 18,8% viviam em áreas rurais. Tal processo de urbanização agrega problemas de exlcusão social, segregação espacial e impactos socioambientais. Como resultado: 26 milhões de brasileiros que vivem em áreas urbanas não têm água em casa; 14 milhões não são atendidos por sistema de coleta de lixo; 83 milhões não estão conectados a sistema de saneamento; e 70% do esgoto coletado não é tratado, mas jogado em estado bruto na natureza. Complexo e multidimensional, esse processo de segregação socioespacial deve-se a uma combinação histórica de diversos fatores como as dinâmicas formais e informais do mercado de terras; centralização político-institucional; autoritarismo político-social; burocratização político-administrativa; estrutura fundiária concentrada e privatista; natureza elitista do planejamento urbano; renovação das práticas seculares de clientelismo político e corrupção endêmica. (A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. in FERNANDES, Edésio e ALFONSIN, Betânia (coord.) Direito Urbanístico. Estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 03-23).

Dos países da América Latina, Brasil e Colômbia têm avançado mais rapidamente na concretização de reformas legislativas e político-institucionais com o intuito de definir um marco regulatório de democratização das formas de acesso planejado ao solo urbano. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 foi inserido pela primeira vez na história constitucional do país, um capítulo sobre política urbana balizado no atendimento à função social da propriedade. Esse capítulo constitucional foi regulamentado por uma lei-marco fundamental, a Lei nº 10.257/2001, denominada “Estatuto da Cidade”. De igual modo, na Colômbia, com o advento da Constituição Federal de 1991, um novo regime constitucional urbanístico foi inaugurado, incorporando a noção de função social da propriedade e a redefinição do conteúdo deste direito. Em 1997 foi editada a Lei nº 388, denominada “Lei de desenvolvimento territorial”, na qual se afirma uma preocupação clara com planejamento territorial em suas distintas dimensões, articulada a gestão do solo ou intervenção no mercado da terra e no desenvolvimento econômico e social. (CAPELLO, María Mercedes Maldonado. El processo de construcción del sistema urbanístico colombiano: entre reforma urbana y ordenamiento territorial. in FERNANDES, Edésio e ALFONSIN, Betânia (coord.) Direito Urbanístico. Estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 25-58).

Nesses países, o conjunto de direitos sociais previstos na constituição e na legislação infra-constitucional, estruturados na função social da propriedade e da cidade, passou a constituir um novo ramo do direito público denominado “direito urbanístico”. Esse direito tem como objeto a promoção do controle jurídico dos processos de desenvolvimento, uso, ocupação, parcelamento e gestão do solo urbano, em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Dentre as diretrizes gerais do direito urbanístico brasileiro, previstas na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), encontra-se a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.”

No direito brasileiro, portanto, a participação popular na formulação, execução e acompanhamento da política urbana passa a ser um princípio expresso e fundamental de legitimação da atividade administrativa nesse setor. O espaço público passa a ser o local de deliberação das políticas públicas urbanísticas. Essa noção de espaço público vinculado à legitimação democrática do Estado é aquela formulada por Jürgen Habermas, como sendo “a estrutura intermediária que faz a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro lado.” (Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume II. tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 107.)

Exatamente sob esse aspecto, da participação popular para proteção da legalidade urbanística, Inés D´Argenio comenta a decisão da Câmara de Apelação no Contencioso Administrativo e Tributário da cidade de Buenos Aires (Sala II), que afastou a consolidação de uma transgressão à legalidade urbanística por mero transcurso de prazo para interposição de um recurso administrativo, tendo em conta a transcendência dos bens jurídicos implicados, que se vinculam à qualidade de vida e à preservação de um meio ambiente adequado.

Segundo Inés D´Argenio, ainda que no direito argentino se estruturem sistemas normativos de participação comunitária, principalmente na Constituição da Cidade de Buenos Aires que fez da participação cidadã um eixo essencial nas distintas matérias que aborda, as normas mais avançadas em matéria de controle público da gestão administrativa urbanística se enfrentam continuamente com uma dogmática própria do direito administrativo tradicional que impede a efetiva aplicação das normas. Daí o mérito da decisão da Câmara de Apelação que restitui a “ágora”, a "criação e instituição de um espaço público verdadeiro", na exata definição de Cornelius Castoriadis (Lo que hace a Grecia 1. De Homero a Heráclito Seminarios 1982-1983 en École des Hautes Études en Sciences Sociales, París, Editado por Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires, 2006).

Leia a decisão e o comentário

9 de mar. de 2008

Adeus aos Departamentos franceses?

por Farlei Martins Riccio

O Jornal Le Monde em seu editorial de 08.03.2008 analisa os prós e os contras dos Departamentos e a necessidade de sua manutenção na estrutura administrativa francesa, a propósito da recomendação da comissão Attali para a liberação do desenvolvimento (Adieu au département?). O aparecimento das regiões metropolitanas e a elevação do poder das aglomerações, bem como as denúncias de clientelismo têm reduzido o espaço dos Departamentos. Na opinião do Le Monde, a supressão somente poderá ser considerada, a longo prazo, se estiver em linha com um projeto público amadurecido e reflexivo, a fim de dar um dinamismo novo nos territórios e melhoria da administração local.

Sendo um Estado unitário, a República Francesa é dividida administrativamente em cem departamentos: 96 departamentos metropolitanos e quatro departamentos ultramarinos (départements d'outre-mer), os DOM. Cada departamento constitui tanto uma divisão administrativa como um estado e uma coletividade territorial (collectivité territoriale). A última grande mudança no caráter dos departamentos ocorreu em 2 de março de 1985, quando foi aprovada uma lei que transferiu o poder executivo local, até então exercido pelo prefeito (préfet), ao presidente do Conselho Geral (Conseil Général).

À luz do princípio da subsidiariedade, as administrações locais desempenham um papel fundamental no exercício da função administrativa e na satisfação das necessidades coletivas. Nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “tudo o que puder ser provido pela sociedade, por seus próprios entes e por seus respectivos meios, deverá sê-lo, assim como tudo o que puder ser atendido pelas organizações políticas locais, não deverá passar às regionais e, sucessivamente, o que as entidades regionais tiverem condições de resolver não deverá ser transferido ao Estado Central que, por sua vez, deverá atuar apenas subsidiariamente na solução de quaisquer problemas que depasem suas próprias possibilidades de atuar eficientemente”. (Mutações do Direito Público, p. 257-258)

Entendo que para o bem da racionalidade da função administrativa, qualquer tipo de aproximação do cidadão com a autoridade local do Estado deve ser incrementado ou, se for o caso, modernizado. Nunca extinto.

6 de mar. de 2008

Jurisprudência comentada: controle das políticas públicas e reserva da administração

por Farlei Martins Riccio de Oliveira

Ignés D´Argenio comenta a sentença da Câmara de Apelações no Contencioso Administrativo e Tributário da Cidade de Buenos Aires (Sala I), proferida nos autos da ação de amparo, que confirma decisão de primeira instância que condenou diretamente o poder público a reestruturar integralmente um hospital e a prestação do serviço de saúde mental, sem distinção alguma de destinatários.

A questão de fundo da decisão remete para a problemática do controle judicial das políticas públicas, especialmente aquelas que visam efetivar direitos sociais constitucionalmente assegurados.

Não há dúvida de que no Estado Democrático de Direito as políticas públicas são indispensáveis para a garantia e promoção dos direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais. Mas o fato é que toda e qualquer política pública envolve gasto de dinheiro público, e os recursos públicos são limitados. A principal limitação no tocante à definição de políticas públicas tem sido a alegação da reserva do possível, teoria surgida na Alemanha e amplamente utilizada nos países europeus. Segundo essa teoria, a prestação reclamada pelo administrado deve corresponder ao que o indivíduo pode, razoavelmente, exigir da sociedade, de modo que, ainda que o Estado disponha de recursos e poder de disposição, não há obrigatoriedade de prestar algo que sobressai aos limites do razoável. (KRELL, Andréas. Direitos Sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002).

Será preciso então priorizar e escolher onde o dinheiro público disponível será investido. Além da definição genérica em que gastar, é preciso ainda decidir como gastar, tendo em conta os objetivos específicos que se deseja alcançar. Essas decisões configuram o que Cass Sunstein e Stephen Holmes (The Cost of Rights. Cambridge: Harvad University Press, 1999) denominam de “escolhas trágicas”, uma vez que a escassez de recursos econômicos e financeiros públicos impedem a realização de todos os objetivos sociais, de tal sorte que a realização de alguns desses relevantes objetivos impõe necessária e inevitavelmente o sacrifício de outros, igualmente importantes. Todavia, afirmam os autores americanos, que o óbice da exaustão orçamentária para realização dos direitos sociais presta-se unicamente a encobrir as trágicas escolhas que deixaram de fora do universo do possível a tutela de um determinado direito, já que os recursos públicos são captados em caráter permanente – a captação nunca cessa, de forma que, a rigor, nunca são completamente exauridos. Assim sendo, nada obstaria a que um outro orçamento posterior assumisse a despesa em questão.

Na realidade da administração pública brasileira, não é incomum que uma parte considerável dessas escolhas deixe de atender às verdadeiras necessidades da população, ou, ainda, que as atenda de forma incompleta, precária e equivocada. Mas não é só, há ocasiões em que a Administração acaba por realizar ações que não seguem os princípios da eficiência e moralidade, como as previsões orçamentárias superestimadas ou subestimadas, patrocinando verdadeiros cemitérios de obras inacabadas, ou, ainda, preferem aplicar os recursos em iniciativas que “aparecem”, como obras físicas, deixando de cumprir com as obrigações determinadas na Constituição. (DAL BOSCO, Maria Goretti. Discricionariedade em Políticas Públicas, Curitiba: Juruá, 2007).

A doutrina publicista brasileira tem produzido nos últimos anos um profundo debate sobre o controle judicial das políticas publicas, com posições e argumentos variados. (consulte-se, por todos, BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. Revista de Direito do Estado, ano 1, n. 3, jul/set, 2006; e COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 138, abr/jun, 1998).

Parece-me que a tese apresentada por Marcos Juruena Villela Souto, Procurador do Estado do Rio de Janeiro, se não soluciona o problema, pelo menos lhe dá um tratamento jurídico equilibrado e conforme o ordenamento jurídico brasileiro. Este autor desenvolve o argumento de um controle na execução das políticas públicas pelo planejamento econômico da atividade, demonstrando a legitimidade das escolhas, por meio de uma conciliação entre o sistema eleitoral, o sistema econômico e o sistema financeiro. (Neoconstitucionalismo e Controle de políticas públicas. Direito Administrativo em Debate - 2a Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007).

Para Marcos Juruena, a idéia de planejamento impõe a racionalização das escolhas públicas, em função das possibilidades, dos custos e da sustentabilidade, a longo prazo, de opções do Estado, que ultrapassam a noção de opção de governo e decisões judiciais “varejistas”. Por outro lado, dado que o conceito de eficiência econômica (alocativa e produtiva) se revela insuficiente para a fixação de eficiência administrativa, o autor propõe que se deva trabalhar com a noção de eficiência pela subsidiariedade, de modo a se definir precisamente a partilha de competências entre o Estado e a sociedade. Dessa forma, impede-se que o Estado atue ineficientemente onde a sociedade já consegue prover os bens e serviços adequadamente.

Por fim, cabe recordar que na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o controle judicial das políticas públicas é admitido, excepcionalmente, desde que: (i) se trata de políticas definidas no texto constitucional, posto ser tal definição vinculante da ação estatal e limitadora da discricionariedade administrativa; (b) o Estado se omita, total ou parcialmente, no exercício de seus deveres jurídico-sociais de prestações positivas, com vistas à implementação dessas políticas; (c) eventuais carências financeiras ou orçamentárias não escusem a omissão, salvo se comprovado o esgotamento dos meios disponíveis e/ou mobilizáveis para o atendimento às prioridades decorrentes das políticas constitucionais. (RE 410715-5-SP, RE 410715-5-SP, SS 3205-AM, ADPF 45-DF. ).

Inegável, portanto, no contexto do Estado democrático de direito, a possibilidade de controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário, devendo até mesmo ser facilitado o acesso à jurisdição a órgãos coletivos intermédios da sociedade, como garantia de legitimidade do poder político, da democracia e do mínimo existencial de direitos sociais aos cidadãos. Todavia, o Poder Judiciário não pode descurar no exame da legalidade e legitimidade das políticas públicas, de uma ponderação razoável e proporcional do impacto de suas decisões sobre os orçamentos públicos, sob pena de transformar o governo do povo em governo de “juízes”.

Comparando a doutrina e a Corte Suprema norte-americana

por Farlei Martins Riccio

Dois sites permitem um estudo comparado da doutrina e da jurisprudência da Corte Suprema dos Estados Unidos com o direito constitucional e administrativo de origem européia-continental.

No endereço http://www.oyez.org/ podemos acessar os dados sobre as decisões da Suprema Corte, inclusive com aúdio. E no endereço http://www.bigthink.com/truth-justice podemos acessar vídeos de Richard Posner, Stephen Carter, Justice Breyer, entre outros.

Estado de emergência permanente e o risco institucional

por Farlei Martins Riccio

Dando continuidade ao debate sobre o estado de emergência, Alejandro Pérez Hualde, Ministro da Suprema Corte de Justiça da Província de Mendoza, Professor da Universidade Austral, da Universidade de Mendonza e da Universidade Nacional de Córdoba, divulga o trabalho La permanente invocación de la emergencia como base de la crisis constitucional, publicado originalmente na obra coletiva “Direito Administrativo Brasil – Argentina: Estudos em homenagem a Agustín Gordillo”. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007.

O trabalho de Alejandro Pérez revela-se de fundamental importância para a construção de uma teoria jurídica do estado de emergência, não apenas pelo fato de estar ancorado em uma extensa bibliografia especializada, dentre elas a obra de Giorgio Agamben, já comentada pelo Prof. Luis Antônio Cunha Ribeiro em post anterior, como também, por identificar precisamente as noções correlatas ao estado de emergência e por sistematizar o controle jurídico e político das situações excepcionais, evitando com isso um “semi-autoritarismo” do Poder Executivo.

Por outro lado, o autor chama a atenção para as graves conseqüências institucionais para o regime democrático argentino de permanente invocação de estados de emergência, bem como para as bases teóricas e dogmáticas do direito administrativo contemporâneo.

Veja a íntegra do artigo

5 de mar. de 2008

Agamben e o Estado de Exceção

por Luís Antônio Cunha Ribeiro

O artigo intitulado Los Poderes de Emergencia emUruguay de autoria do Prof. Rubén Flores Dapkevicius é, sem dúvida, uma precisa e interessante investigação do ponto de vista jurídico-constitucional de tema sempre tão delicado.

Os pontos de contato com o pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben, sem dúvida existem, uma vez que o trabalho de Agamben, especialmente ao longo dos anos 90 tem sido o estudo do chamado Estado de Exceção. Contudo, o ponto de vista escolhido por Agamben, como filósofo, não cabe nos estritos limites da análise jurídica e assume um caráter extremamente radical. Para ele, “estado de exceção mesmo, enquanto estrutura política fundamental, alcança em nossa época cada vez mais o primeiro plano e tende, ao fim, a tornar-se regra” (Homo sacer – le pouvoir souverain et la vie nue. 1. ed. Paris: Seuil, 1997, p.27), por isso “o paradigma biopolítico do ocidente é hoje o campo de concentração e não a cidade” (Op.cit., p.195). A hipertrofia do Poder Executivo e a crescente atribuição ao mesmo de competências legislativas fazem parte deste cenário, segundo Agamben. Tais tese são, porém, intoleráveis para muitos pensadores do Direito e, mesmo entendidas no sentido descritivo e, portanto, não-normativo que Agamben lhes atribui, representam uma verdade escandalosa que os cultores do Estado de Direito preferem na maioria das vezes simplesmente negar. As bases e os pormenores das teses de Agamben não caberiam nos limites dessa postagem, mas é interessante que, ainda com algum atraso, seus escritos estejam despertando o interesse do público brasileiro, em grande parte pela tradução para o português de algumas de suas obras (v. Ed.UFMG e Ed.Boitempo).

Havendo interesse, tenho artigo submetido à publicação em revista científica, ainda pendente de parecer, no qual apresento linhas gerais ainda muito esquemáticas do pensamento do autor, que aceitaria compartilhar com os colaboradores do blog mediante simples solicitação por email.

Estado de emergência na Argentina

por Ignés D´Argenio

En su excelente artículo el profesor Flores Dpkevicius ha tenido la delicadeza de no referirse al tema en Argentina, por la emergencia decretada - con ley manejada desde el PE - a partir de 2001-02 que todavía hoy, en 2008, se encuentra vigente (Agustín Gordillo realizó interesantes reuniones entre 2002 y 2004 que tituló y publicó como "Derecho Administrativo de la Emergencia").

Digo que tuvo la gentileza de no referirse a Argentina porque fue tan absurdamente totalitaria la declaración de la emergencia económica y sus efectos en el seno de un gobierno democrático, que escapa a cualquier sistematización doctrinaria que se pretenda. En la Provincia de Buenos Aires la emergencia quedó derogada por una sentencia judicial de la Suprema Corte de Justicia integrada por conjueces (abogados de la matrícula: distinta hubiera sido la suerte de ser competente la Corte oficial que integra sin mayores objeciones el poder central) que Gordillo comentó en un excelente artículo al que denominó "La sociedad civil frente al poder público".

La lectura del trabajo de Flores Dapkevicius pone en evidencia el mayor respeto desde el poder central por los derechos fundamentales en la hermana República de Uruguay, porque la doctrina de la emergencia - aunque me cuesta aceptarla tanto como las "razones de Estado" y la reserva de los actos del poder - está mucho mas circunscripta que en Argentina donde ha sido justificada por algunos autores acudiendo erróneamente a doctrina judicial norteamericana que nada tiene que ver con las tropelías que se concretaron en nuestro país (el año pasado la Corte de la Nación dictó un fallo en causa "Massa" tratando de solucionar de una vez por todas y con alcance general - acudiendo a la necesidad institucional de recomponer la armonía social - los conflictos generados entre depositantes y entidades bancarias por la retención por parte de éstas del dinero depositado hace más de siete años. Pues el Banco de la Provincia de Buenos Aires, banco oficial, en una actitud de inmoralidad vergonzosa se niega a convenir con sus clientes con fondos cautivos desde hace mas de siete años la devolución de los mismos conforme al caso "Massa" si no media sentencia judicial que así lo declare caso por caso, cuando los jueces están demorando años en dictar sentencias en estas causas). Advertirás que en esta emergencia ni siquira existieron las "razones de Estado" pues se trató de proteger el patrimonio de las entidades crediticias. Una ignominia.

Estado de emergência: a zona morta da lei ou uma força de lei sem lei?

por Farlei Martins Riccio

Rubén Flores Dapkevicius, Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade da República Oriental do Uruguai, divulga o artigo Los Poderes de Emergencia en Uruguay, no qual analisa as situações reguladas em seu país que podem determinar a adoção de poderes de emergência pelo Estado, apresentando as principais condições que legitimam os respectivos atos e medidas governamentais.

No direito brasileiro, o estado de emergência encontra paralelo no estado de defesa e estado de sítio, regulados pelos arts. 136 e 137 da Constituição Federal. Por outro lado, o termo estado de exceção costuma ser empregado na doutrina brasileira como expressão sinônima de estado de emergência.

A importância do tema para o direito administrativo relaciona-se com os atos e medidas administrativas que decorrem dos poderes de emergência autorizados pelo estado de exceção. Para o direito constitucional a sua importância revela-se diante do atual “Estado preventivo”, inspirado pela máxima segurança dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos, ambientais etc., tendo como exemplo máximo o “USA Patriot Act” de 26 de outubro de 2001 e "USA Military Order" de 13 de novembro de 2001. (Sobre a noção de Estado preventivo da segurança consulte-se, por todos, Erhard Denninger, Diritti Dell´uomo e Legge Fondamentale, Torino: Giappichelli, e Dietter Grimm, Constitucionalismo y derechos fundamentales, Madrid: Trotta).

Contudo, uma verdadeira teoria do estado de exceção no direito público continua faltando, já que a noção se encontra no limite do direito e da política, ainda que Carl Schimtt (Teologia Política. Belo Horizonte: Ed. Del Rey), tenha associado o estado de exceção à soberania, na sua célebre definição de soberano como aquele que “decide o estado de exceção".

Giorgio Agamben, filósofo italiano, Professor da Universidade de Verona e da Universidade da Califórnia (EUA), em conferência proferida no Centro Roland Barthes da Universidade de Paris 7, em dezembro de 2002, ressaltou que determinar as linhas de fronteira jurídica e política do estado de exceção é urgente, pois, em realidade, se as medidas excepcionais que caracterizam o estado de exceção são o fruto de períodos de crise política e, se, por essa razão, é preciso compreendê-las no terreno da política, e não no terreno jurídico e constitucional, elas se acham na situação paradoxal de serem medidas jurídicas que não podem ser compreendidas de um ponto de vista jurídico, e o estado de exceção apresenta-se então como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal. Por outro lado, se a exceção soberana é o dispositivo original mediante o qual o direito refere-se à vida para incluí-la no gesto mesmo em que ele suspende seu exercício, então uma teoria do estado de exceção é a condição preliminar para compreender a relação que liga o vivo ao direito. Levantar o véu que cobre esse terreno incerto entre o direito público e o fato político, de um lado, e entre a ordem jurídica e a vida, de outro, é a condição para perceber a questão da diferença - ou da suposta diferença - entre o político e o jurídico e entre o direito e a vida. (A zona morta da lei. Folha de São Paulo, 16.03.2003).

O artigo de Rubén Flores caminha exatamente na direção da construção de uma teoria do estado de exceção, inserindo-o no direito, já que em sua opinião os poderes de emergência não são uma dispensa da Constituição, ruptura ou derrogação da mesma em um caso concreto ou em um breve período, deixando imutável sua validade. Os poderes de emergência reafirmam a ordem institucional e a vigência plena da Constituição com as particularidades do caso concreto e do poder de emergência mobilizado. (p. 04) Os poderes de emergência, de princípio, não modificam a ordem jurídica. Ao contrário, a consolidam. Não derrogam a Constituição, lei ou regulamento. (p. 06).