29 de fev. de 2008

Reforma da administração pública chinesa

Por Farlei Martins Riccio

Com o objetivo de reduzir os níveis gerenciais, tornando a máquina pública mais ágil e menos burocrática, bem como adaptar o país à proteção dos direitos democráticos e à justiça social, o Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) apresentou projeto de reforma administrativa que pretende reestruturar o Conselho de Estado – órgão executivo do governo chinês, hoje pulverizado entre mais de 50 ministérios, escritórios, departamentos e agências – em quatro ou cinco ministérios. (O Globo, China planeja criar superministérios. 29.02.08). A idéia é aglutinar ministérios e escritórios governamentais em cinco grandes áreas: Finanças, Transportes, Meio-Ambiente, Indústria e Energia.

A modernização da administração pública chinesa ocorre com atraso. Nos países ocidentais, o processo emergiu primeiramente no Reino Unido, em 1979, no governo Thatcher, e nos Estados Unidos da América, em 1980, no governo Reagan. Nos anos seguintes, a reforma foi aprimorada. Nos Estados Unidos com os programas “Reforma 88” da comissão Grace e o programa "Reinventando o Estado” da comissão Al Gore. No Reino Unido, com o programa “Next Steps”, notadamente com a criação de agências executivas. Na França, a política de modernização da administração pública se iniciou pela circulares Roccard de fevereiro de 1989 e janeiro de 1990. (Philippe Lalliot. La modernisation de l´administration. In PETIT, Jacques. Droit Administratif et Administration. Notice 29. La documentation Francaise, 1998). No Brasil, ainda que a reforma administrativa tenha sido iniciada em 1967, com a edição do Decreto-Lei nº 200, somente com a promulgação das Emendas Constitucionais nº 19 e 20 de 1998, efetivou-se no país a proposta de uma administração pública gerencial.

Não há dúvida que o forte desenvolvimento econômico da China nos últimos anos tornou o processo de reforma administrativa inadiável. Embora permaneça comunista, a China hoje tem economia voltada para o mercado capitalista, sendo considerada uma potência econômica, cujo crescimento em 2006 chegou a 10,7% (fonte: United Nations Statistics Division). Desenvolvimento econômico sustentável e administração pública gerencial e eficiente são duas faces da mesma moeda, no qual os países não podem deixar de considerar, independentemente do regime político que adotem.

Participação e inserção social na gestão administrativa: a superação dos velhos paradigmas do direito administrativo

Como efetivar a participação popular na gestão administrativa do Estado com base nos pressupostos teóricos e dogmáticos tipicamente autoritários do direito administrativo? A partir dessa indagação, Inés D´Argenio, Professora da Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universidade Nacional de Buenos Aires e da Universidade Nacional de La Plata, divulga o trabalho “Inserción social en la gestion administrativa”, no qual desenvolve a tese de superação do tradicional conceito de ato administrativo para pôr a ênfase na atividade administrativa de gestão do direito.

Segundo Ignés D´Argenio, qualquer tentativa de participação social que pretenda desenvolver-se no sistema de gestão administrativa autoritária não será eficaz. A advertência da autora de que o sistema de gestão administrativa na Argentina não está preparado para inserção social plena, enquanto se estrutura sobre a base da ideologia estatal do interesse geral que não considera, em absoluto, a razão interna que anima, em profundidade, o corpo social em seu conjunto, vale igualmente para o sistema jurídico brasileiro.

Veja a íntegra do trabalho

26 de fev. de 2008

Projeto de reforma do Conselho de Estado e da jurisdição administrativa francesa

Por Farlei Martins Riccio

O Vice-Presidente do Conselho de Estado francês, Jean-Marc Sauvé, apresenta na edição de novembro de 2007, de La Lettre de La Justice Administrative, o projeto para reforma do Conselho de Estado e da jurisdição administrativa.

Segundo Jean-Marc, foram designados vários grupos de trabalho, para pensarem em conjunto, reformas que atendam as exigências do tempo atual. Esses grupos permitiram a formalização de um projeto geral, apoiado em várias proposições, que deverão materializar-se no primeiro semestre de 2008.

As principais orientações e proposições que estruturam o projeto podem ser resumidas ao redor de dois marcos centrais: reforço da eficiência coletiva, por um lado, e abertura e responsabilidade, de outra parte.

O incremento na eficiência coletiva passa pela adaptação dos procedimentos e métodos, hierarquização dos pedidos, desenvolvimento de ajuda para decisão, ou apoio de informação e a participação dos jurisdicionado, para adaptar o trabalho do juiz à exigências variáveis de um litígio cada vez mais variado, melhorando as garantias de um processo eqüitativo. No mesmo sentido, várias proposições apontam para a limitação de fluxo dos litígios, em particular, pela previsão do recurso administrativo prévio (esgotamento da instância administrativa). A prevenção do litígio também passa por um direito de qualidade melhor. Os aspectos relativos do projeto para a função consultiva do Conselho de Estado visam permitir, em um contexto de inflação normativa sem precedente, e em condições de mora forçada, fazer o papel de fiador da segurança jurídica e da qualidade do direito.

Por outro lado, o projeto sublinha a necessidade de um recrutamento do qual a diversidade e a qualidade é merecedora das bases novas que a jurisdição administrativa tem que elevar. A legitimidade da jurisdição administrativa também passa por uma capacidade maior de apresentar sua ação e dar alguma conta de seu trabalho para a sociedade. Nesta perspectiva, as proposições apontam uma comunicação pública melhor do juiz administrativo e o reforço do diálogo com seus interlocutores principais (administrações, profissões legais, acadêmicas).

Busca-se uma maior participação dos Tribunais nos intercâmbios internacionais, encorajando a convergência dos direitos públicos dentro da União Européia e defendendo a especificidade deles no contexto mundial.

Finalmente, para consolidar a confiança do jurisdicionados, se impõe a formalização de regras éticas precisas e públicas, aplicável para o conjunto dos membros e agentes da jurisdição administrativa.

25 de fev. de 2008

Publicidade administrativa x segurança do Estado - 2

Por Farlei Martins Riccio

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello proferiu despacho nos autos do MS 27141 impetrado semana passada pelo Senador Arthur Virgílio (PSDB/AM). Na decisão o ministro assinou o prazo de 10 dias para que o impetrante apresente provas documentais de que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, negou-se a fornecer informações sobre gastos de cartões corporativos da Presidência.

Na primeira parte de sua decisão, o ministro Celso de Mello, ao tratar do princípio constitucional da publicidade, afirma que a Constituição da República impõe transparência às atividades do governo, inclusive do Presidente da República, sendo aquele um dos vetores básicos que regem a gestão republicana do poder.

Segundo o ministro, no Estado Democrático de Direito, não se pode privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo compromete a própria legitimidade material do exercício do poder. A Constituição republicana de 1988 dessacralizou o segredo e expôs todos os agentes públicos a processos de fiscalização social, qualquer que seja o âmbito institucional (Legislativo, Executivo ou Judiciário) em que eles atuem ou tenham atuado. Ninguém está acima da Constituição e das leis da República. Todos, sem exceção, são responsáveis perante a coletividade, notadamente quando se tratar da efetivação de gastos que envolvam e afetem a despesa pública. Esta é uma incontornável exigência de caráter ético-jurídico imposta pelo postulado da moralidade administrativa.

Salienta, ainda, que o modelo de governo instaurado em nosso País, em 1964, mostrou-se fortemente estimulado pelo “perigoso fascínio do absoluto” (Pe. JOSEPH COMBLIN, “A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina”, p. 225, 3ª ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), pois privilegiou e cultivou o sigilo, transformando-o em “praxis” governamental institucionalizada, ofendendo, frontalmente, desse modo, o princípio democrático. Ao assim proceder, esse regime autoritário, que prevaleceu no Brasil durante largo período (1964-1985), apoiou a condução e a direção dos negócios de Estado em concepção teórica – de que resultou a formulação da doutrina de segurança nacional – que deu suporte a um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas. Desprezou-se, desse modo, como convém a regimes autocráticos, a advertência feita por NORBERTO BOBBIO, cuja lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra) assinala – com especial ênfase – não haver, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

24 de fev. de 2008

Licitações de linhas de ônibus: interesses econômicos e captura da agência reguladora

Por Farlei Martins Riccio

O governo federal decidiu licitar a partir do mês de outubro 1.666 linhas interestaduais e internacionais de transporte rodoviário de passageiros, o que representa 98,5% do mercado, integrado por 258 empresas. O faturamento médio do setor é de R$ 2,7 bilhões anuais. Desde 1971, o governo federal já editou quatro decretos e uma lei tentando regulamentar o setor, com prazos contratuais diferenciados, e fazer os empresários assinarem novos contratos. Segundo notícia da Folha de São Paulo (Licitação de linhas de ônibus abre “guerra”, 24.02.2008), a decisão contraria interesses econômicos dos empresários do setor, que querem prorrogar os atuais contratos até 2023. Para a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros – ABRATI a licitação poderá levar a um colapso do sistema, já que a maior parte das linhas não é rentável e deixaria de operar após o leilão. O setor é dominado por empresas familiares, fechadas e antigas. As três maiores, em faturamento, são Itapemirim, Gontijo e São Geraldo.

No entanto, o dado preocupante da matéria jornalística é o fato do órgão regulador do setor, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, estar paralisada - dois dos cinco cargos de diretor vagos e os processos têm sido retirados de pauta e enviados para a Casa Civil decidir - , bem como encontrar-se loteada politicamente.

Essa deficiência no funcionamento da ANTT pode acarretar o que se denomina de captura no plano da ação regulatória do Estado. Segundo Paulo Todescan Lessa Mattos, a teoria da captura “procura demonstrar em que medida o conteúdo de determinada norma que consubstancia determinada política pública favorece as empresas reguladas e não os consumidores.” (O Novo Estado Regulador no Brasil: eficiência e legitimidade. São Paulo: Singular, 2006, p. 61). Assim, ação reguladora do Estado é um foco de falhas de governo que precisam ser corrigidas.

Tal modelo foi estudado e desenvolvido pelos teóricos da Escola de Chicago (George J. Stigler, Richard A. Posner e S. Peltzman), sendo que os debates se dão em torno do desenho institucional de órgãos reguladores e procedimentos decisórios. Essa teoria argumentou que falhas de governo coexistiam com falhas de mercado – sobrepujando-as, por vezes. Isso invalidaria e tornaria inócuo o esforço do Estado dirigido à correção das primeiras. O resultado, segundo a Escola de Chicago, era uma regulação que protegia os interesses da indústria regulada e que não promovia o bem-estar social.

No Brasil, a captura das agências tem evoluído de modo preocupante. Ora em razão de momentos críticos do setor regulado (crise da energia elétrica de 2001, o aumento das tarifas autorizados pela ANATEL em 2003, a revisão dos contratos de seguro–saúde pela ANS, a crise do setor de controle aéreo da aviação civil em 2007), ora em razão da própria estrutura e instituição jurídica da entidade.

Caso a ANTT não volte a deliberar tecnicamente sobre os assuntos de sua competência, sem as ingerências políticas das empresas do setor ou do governo (Casa Civil), o processo de licitação das linhas de ônibus interestaduais e internacionais pode tornar-se ineficaz e a situação atual manter-se indefinidamente.

23 de fev. de 2008

Publicidade e teoria das razões de Estado

Por Fábio Medina Osório

Penso que o uso de cartões corporativos pode ser feito à luz dos princípios inscritos no art.37 da CF, o que envolve o controle da finalidade pública e a submissão a pautas de transparência.

No tocante ao mais alto Mandatário da Nação e mesmo aos Ministros de Estado ocupantes de postos estratégicos, penso que o uso de cartões corporativos deve atender, também, pautas de finalidade pública, mas a transparência pode e deve estar adstrita a pautas de segurança nacional, as quais não estariam superadas pela teoria das razões de Estado com a nova ordem constitucional.

A teoria das razões de Estado é que está revitalizada pela teoria da motivação dos atos administrativos e pela necessidade de justificação e prestação de contas perante órgãos de controle externo.

Ainda existem motivos relacionados à segurança do Estado que podem ditar conveniência de restrição à publicidade de determinados atos administrativos. Isso não significa, todavia, eliminação da transparência ou visibilidade, tampouco passaporte à impunidade, até mesmo porque a restrição à transparência não se impõe perante determinados órgãos de controle, como o Ministério Público ou o Tribunal de Contas.

Os princípios inscritos no art.37 da CF não têm natureza absoluta e também cedem espaço a ponderações de distintas naturezas. De que publicidade estamos falando neste debate?

Combate à dengue e poder de polícia

Por Farlei Martins Riccio

Com a finalidade de combater o mosquito transmissor da dengue, o Governo do Rio de Janeiro enviará à Assembléia Legislativa projeto de lei autorizando os agentes de saúde a entrarem, se preciso à força, com a ajuda de chaveiros e policiais, em imóveis abandonados ou naqueles cujos moradores não permitirem a visita. Quem resistir poderá ser multado de R$ 200 a R$ 20 mil, dependendo da gravidade do caso e do tipo de imóvel (comercial ou residencial). Antes, porém, os proprietários serão notificados por um aviso na porta. Quando forem detectadas situações que permitem a proliferação do mosquito e o morador recusar a tomar medidas para resolver o problema, a multa poderá chegar a R$ 200 mil. (Chave mestra contra a dengue. O Globo, 23.02.2008).

Para Cláudio Pereira de Souza Neto, especialista em direito constitucional, a proposta é inconstitucional, pois fere o princípio da inviolabilidade do lar. Na sua avaliação, a medida só seria legal num caso: se a residência estiver abandonada.

Apesar de não conhecer o projeto de lei na íntegra, entendo que a medida revela-se perfeitamente legítima.

Como se sabe, o caso concreto revela o exercício do poder de polícia pela Administração Pública. Segundo o doutrinador português Marcelo Caetano (Princípios Fundamentais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1989) poder de polícia “é o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir.”

Costuma-se afirmar que o poder de polícia pode ser entendido como o conjunto de normas impostas pela autoridade pública aos cidadãos, seja no âmbito da vida normal, diária, seja no exercício de atividade específica. Denomina-se polícia, por outro lado, o conjunto dos atos das leis e regulamentos. Em um terceiro sentido, polícia é o nome que se reserva às forças policiais, encarregadas da execução das normas jurídicas, e cuja atividade resulta a manutenção da ordem pública. Os dois primeiros sentidos correspondem ao conceito de poder de polícia em sentido amplo e poder de polícia em sentido estrito. (Celso Antônio Bandeira de Mello, Apontamentos sobre o Poder de Polícia. Revista de Direito Público n. 9/55-68). Dessa forma, o poder de polícia é prerrogativa que se reparte entre o Legislativo (limitações administrativas) e o Executivo (atos administrativos de polícia).

Quanto aos seus atributos específicos, a doutrina costuma identificar no poder de polícia cinco elementos indissociáveis de seu regime jurídico: discricionariedade, auto-executoriedade, coercibilidade, atividade estatal negativa e preventiva. No entanto, tais atributos devem ser considerados com reservas, especialmente a auto-executoriedade e a coercibilidade. Diante da própria evolução do Estado, nem todos os atos ou medidas de polícia os possuem (heteroexecutoriedade), bem como a vinculação do Estado ao regime democrático e de direito lhe impõe observar os princípios inerentes à salvaguarda dos direitos fundamentais e dos princípios da juridicidade e da proporcionalidade. É por essa razão que Agustín Gordillo sustenta a abolição da noção ‘poder de polícia’, pois segundo o doutrinador argentino, os atributos em questão decorrem da noção que detinha o poder de polícia no Estado liberal e que não mais se compatibiliza com o Estado democrático de direito dos dias atuais. (Tratado de Derecho Administrativo. Buenos Aires: FDA, 2003)

De outro lado, afirma com propriedade Celso Antônio Bandeira de Mello que a auto-executoriedade somente será legítima no contexto do Estado democrático em três diferentes hipóteses: i) quando a lei expressamente autorizar; ii) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial, sem sacrifício ou risco para a coletividade; iii) e quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de policia.

Denota-se, portanto, que as três situações fáticas necessárias para o exercício legal do poder de polícia no Estado contemporâneo estão presentes no projeto de lei em questão.

20 de fev. de 2008

Uma nova identidade institucional para o STF

Por José Ribas Vieira

A postagem a respeito da publicidade dos atos administrativos e suas possíveis limitações por questões de segurança de estado é de suma importância. Merece, dentro de nossos limites teóricos, três perspectivas de reflexão: a) traduz-se pela sua natureza política lembrando o pensamento democrático de Noberto Bobbio que o Poder deve estar guiado pela máxima transparência; b) é a incapacidade do STF estar orientado por critérios de ponderação de princípios ou de normas; por fim, c) não podemos esquecer as lições de Otto Bachof na sua obra clássica dos anos 50 do século passado editado pela Almedinda de Normas constitucionais inconstitucionais? Sabemos que o STF rejeitou essa tese a respeito do julgamento da representatividade política proporcional pelos estados alegando não caber a ele a competência de ser um poder constituinte originário. Em síntese, não cabe ao STF ser mais arrojado do que se preocupar com temas meramente formais como está na postagem se houve ou não "recepção"?

Publicidade administrativa x segurança do Estado

por Farlei Martins Riccio

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu liminar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 129-3/DF pedida pelo Partido Popular Socialista (PPS). O partido pretendia, com a ação, impedir o sigilo sobre movimentação de créditos com despesas confidenciais por parte do governo com os cartões corporativos.

O argumento sustentado na ação é de que o artigo 86 do Decreto-Lei nº 200/67, que instituiu o sigilo, não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por confrontar o previsto no artigo 5º (incisos XXXIII e LX). Neste artigo, a Constituição prevê a publicidade dos atos da administração pública como regra e diz que o sigilo só pode ser decretado quando envolver questão de segurança da sociedade e do Estado.

Ao analisar o caso, o relator ministro Ricardo Lewandowski, observou que os requisitos necessários para a concessão da liminar não estão presentes na ADPF 129. Ele explicou que o princípio da publicidade na administração pública não é absoluto, uma vez que a própria Constituição restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

“Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto o art. 5º, XXXIII, da Lei Maior, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública”, frisou o relator.

O ministro Lewandowski entendeu que não se justifica a concessão da liminar “porque o sigilo dos dados e informações da administração pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna, seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré-estabelecidas”.

No entanto, parece não ser acertada a decisão nos seus fundamentos.

Primeiro, sendo a parte final do art. 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal exceção ao princípio da publicidade administrativa, a interpretação deve ser restritiva e somente se justifica no caso concreto na exata medida em que os motivos para o sigilo guardem uma relação de adequação e necessidade com a finalidade pública da norma jurídica. Isto não ocorre no caso concreto, pois o art. 86 do Decreto-Lei nº 200/67 foi editado sob um regime de exceção em que a velha máxima das “razões de Estado” justificava todos os atos de governo, especialmente os restritivos de direitos individuais. A norma possui, portanto, um vício de finalidade intransponível.

Segundo, o princípio da publicidade ou transparência tem se destacado como o mais relevante na transição da Administração Pública burocrática para gerencial, pois dá efetividade aos princípios da participação popular e o da impessoalidade, permitindo a aplicação do controle social da Administração Pública.

Nesse sentido, ressalta Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que “a experiência tem demonstrado que os controles estatais existentes estão longe de serem suficientes para garantir uma reta administração pública; primeiro porque eles também tendem a se burocratizar, segundo, por se mostrarem pouco eficientes e, terceiro, por se tornarem cada vez mais dispendiosos. Por outro lado, os controles sociais sobre a administração pública, sempre que abertos através de instrumentos participativos, ganham popularidade, passam a ser empenhadamente exercitados, sendo, em geral, bastante eficientes, pois multiplicam o número de fiscais sem ônus para os contribuintes, e têm ponderável efeito pedagógico, no sentido de desenvolver um sadio espírito cívico”. (Mutações do Direito Administrativo)

Ademais, a decisão em comento põem em risco o próprio regime democrático e da representação política, pois a confiança da sociedade no governo e nas instituições (trust) exige a transparência absoluta na atuação e justificação dos motivos enquanto lhes seja exigido ou posto em dúvida. (Eduardo Garcia de Enterría, Democracia, Jueces y Control de la Administracion).

Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio já se manifestaram publicamente contra o sigilo das despesas da Presidência da República com os cartões corporativos e a alegação de segurança. (Ministros do STF são contra sigilo de cartão. Folha de São Paulo, 12.2.08). Espera-se, portanto, que a decisão possa ser revista em plenário.

Leia íntegra da decisão

14 de fev. de 2008

La provisión de medicamentos en Uruguay

Por Rubén Flores Dapkevicius
rflores@montevideo.com.uy

Resulta para mi muy grato observar que en este blog, creado por nuestro amigo Farlei, se encuentran diversos colaboradores, a los que conozco y aprecio. En especial, y en este caso, refiero al Dr. Barroso, al que tuve el gusto de conocer hace algunos años en Curitiba . Mis saludos para ti teniendo presente nuestras conversaciones e intercambio de material . Ello sin perjuicio del vínculo, que me comentaste, une tu familia a mi patria.

Tu artículo me parece muy bueno y refiere a un asunto trascendente.

EL TEMA DE LA PROVISIÓN DE MEDICAMENTOS , EN URUGUAY, se resuelve de conformidad con lo que sigue.

Las mutualistas (centros de salud privada) se niegan a conceder medicamentos costosos a sus pacientes. Entre otros fundamentos esgrimen que les provocaría la quiebra económica o, en definitiva, que por tratarse de medicamentos nuevos, no obran en el vademécum (lista) de medicamentos aprobados por el Ministerio de Salud Pública.

ESTE ARGUMENTO ES DE ESTILO. Se trata de trasladar la responsabilidad al Estado por OMISIÓN. El tema se discute.

Los colegas, como única herramienta pronta, rápida y posiblemente eficaz, cuentan con la acción de amparo.

La jurisprudencia, de los Juzgados inferiores, es proclive y los concede. Los “superiores” ( Salas, Tribunales), en general, se inclinan por la negativa.

Uruguay no es un país que observe, con gran detenimiento, el valor del precedente de la Suprema Corte. Ello es así porque son muy pocos los casos que llegan a la misma y, cuando lo hacen, lo realizan por el recurso de Casación , también muy acotado por los montos y otros instrumentos que no es el momento de analizar.

LES COMENTO UN CASO PRACTICO, el que se pone a vuestra disposición de serles necesario.

El mismo fue decidido en la Sentencia Nº 90, que se comparte, de 12 de diciembre de 2001 del Juzgado Letrado de Primera Instancia en lo Civil de 11 turno (MONTEVIDEO). En el mismo el actor demandó amparo contra una mutualista para que se le proporcionará un medicamento que mejoró su situación de enfermo terminal y que es excesivamente oneroso.

La sentenciante dijo: “Los elementos objetivos requeridos para que proceda el amparo son: a) acto, hecho u omisión, B) lesión restricción, alteración o amenaza, de derecho o libertad de rango constitucional, d) ilegitimidad manifiesta y e) ausencia o inoperancia de otros medios que permitan obtener el mismo resultado; estos requisitos o elementos deben darse en una relación de complementariedad, concurriendo todos ellos en una estructura conceptual (Cfr. Rubén FLORES DAPKEVICIUS: El amparo, publicado en La Justicia Uruguaya Año 1997, Doctrina, pag. 3)”

“... Entendemos que el simple planteo de los hechos, realizado por quien se vincula mediante un contrato de asistencia médica integral con la demandada, y la actitud omisiva de ésta ante la reclamación del único medicamento que permite la sobrevida del paciente, provoca de por sí en la proveyente, la presencia de un actuar manifiestamente ilegítimo... (REFIERE a un elemento fundamental del amparo: la ilegitimada manifiesta, acotamos).

Y continuaba “ En sentencia Nº 2 de 7 de febrero 2001 el Tribunal de Apelaciones de 7mo turno (ORGANO “SUPERIOR” EN TANTO CAMARA, se subraya ) ante un caso similar de amparo ante la negativa en suministrar determinado fármaco, expresa que resulta por lo menos razonable que todo lo que tenga que ver con la patología crónica de cada paciente deberá cubrirse por la Institución originaria. No lo es en cambio, que la recurrente determine que el amparo a uno significaría el desamparo de muchos, porque no se ha probado la exclusión y porque, de ser crónicos, todos los pacientes podrían ampararse a la misma solución. La cuestión económica no se entiende aplicable al paciente crónico que confió en una Institución mutual, tanto que se afilió, paga, etc. para obtener otro servicio a cambio. Incluso la negativa de la mutualista, en el caso concreto, guarda determinados parecidos con algo que no debe suceder, cual sería una omisión de asistencia. Y. Ante lo que resulta urgente, no puede dudarse de la admisibilidad del amparo”.

“En cuanto a la posibilidad de alternativa al amparo, de acudir el accionante al proceso cautelar, plantear su reclamación en vía administrativa, no debe escapar a la apreciación de los distinguidos juristas intervinientes en estas actuaciones que, no existe otro procedimiento más abreviado que el de la acción de amparo, no sólo por razones impuestas por la normativa específica (ley 16011),sino por el impacto o alerta que se produce en la práctica cotidiana de nuestros tribunales ( ELEGANTEMENTE REFIERE A LA RESIDUALIDAD, acotamos). En efecto, cuando se recibe tal pretensión, provoca la formación inmediata del expediente y su entrega en las propias manos del juez, a diferencia de lo que acontece con otras pretensiones que, aunque en vía cautelar, no se atienden con la misma celeridad, ingresando en el cúmulo diario de escritos a los cuales oportunamente se les da el giro pertinente”. ”... No olvidemos que estamos a mediados de diciembre, con la inminencia de la feria judicial mayor (receso judicial de más de un mes) donde las urgencia de todos se hacen más patentes”. Aquí FINALIZA lo sustancial de la sentencia agregada

Respecto al amparo (PROCESO RESIDUAL EN URUGUAY) y las medidas cautelares creo que debemos transitar con prudencia y que no se puede dar una solución general dependiendo, en todo caso, de cada caso concreto, de los derechos protegidos, sus garantías específicas, etc.- Así nos expedimos en nuestro libro titulado “Amparo, Habeas Corpus y Habeas Data”, Euros editores, Buenos Aires 2004

Respecto de la provisión de medicamentos creemos que debemos ser extremadamente celosos en defender el derecho a la vida y en que la sociedad sea retributiva y distribuya sus problemas solidariamente, en lo posible analizando todos los elementos del caso.

En el supuesto de medicamentos que conservan, alargan o hacen mejor la vida, la solución debe ser única , rápida y eficaz.

Ello no significa apoyar el gobierno de los jueces, en detrimento de lo que la Constitución establece como competencia de cada Poder del Estado o desconocer los elementos que deben acompañar a la acción para que ésta tenga éxito. Entiéndase: legitimación activa, pasiva, etc..

13 de fev. de 2008

Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial

Luis Roberto Barroso, Professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Procurador do Estado do Rio de Janeiro divulga estudo sobre o direito à saúde e o fornecimento gratuito de medicamentos por atuação judicial. Segundo o autor, o trabalho foi desenvolvido por solicitação da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro e baseou-se em pesquisa e debates desenvolvidos no âmbito do Instituto Idéias,dos quais participaram os Professores Ana Paula de Barcellos e Cláudio Pereira de Souza Neto.

Como fontes de pesquisa foram utilizadas as versões originais de trabalhos ainda não publicados: Fátima Vieira Henriques, O direito prestacional à saúde e sua implementação judicial – limites e possibilidades, mimeografado, dissertação de mestrado, UERJ, 2007; Fábio César dos Santos Oliveira, “Direito de proteção à saúde: efetividade e limites à intervenção do Poder Judiciário”, 2007, artigo inédito; e Rogério Gesta Leal, “A quem compete o dever de saúde no direito brasileiro? Esgotamento de um modelo institucional”, 2007.

Segundo Luis Roberto, o maior propósito do trabalho foi o de contribuir para a racionalização do problema, com a elaboração de critérios e parâmetros que justifiquem e legitimem a atuação judicial no campo particular das políticas de distribuição de medicamentos. O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.

Em síntese, o trabalho apresenta as seguintes conclusões:

1. As pessoas necessitadas podem postular judicialmente, em ações individuais, os medicamentos constantes das listas elaboradas pelo Poder Público e, nesse caso, o réu na demanda haverá de ser o ente federativo – União, Estado ou Município – que haja incluído em sua lista o medicamento solicitado. Trata-se aqui de efetivar uma decisão política específica do Estado, a rigor já tornada jurídica.

2. No âmbito de ações coletivas e/ou de ações abstratas de controle de constitucionalidade, será possível discutir a inclusão de novos medicamentos nas listas referidas. Tal inclusão, contudo, deve ser excepcional, uma vez que as complexas avaliações técnicas – de ordem médica, administrativa e orçamentária – competem primariamente aos Poderes Legislativo e Executivo.

3. Nas discussões travadas em ações coletivas ou abstratas – para a modificação das listas – o Judiciário só deve determinar que a Administração forneça medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos. Ademais, o Judiciário deve, como regra, optar por substâncias disponíveis no Brasil e por fornecedores situados no território nacional. Por fim, dentre os medicamentos de eficácia comprovada, deve privilegiar aqueles de menor custo, como os genéricos.

12 de fev. de 2008

O Ministério Público e o Projeto de Decreto Legislativo n. 128/07

Por Ives Gandra da Silva Martins

De autoria do Deputado Marcelo Itagiba, ex-secretário do Estado do Rio de Janeiro, e com relatoria do Deputado Regis de Oliveira, titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, CCJ da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Decreto Legislativo n. 128 de 2007, sustando a aplicação do § 1º do art. 4º da Resolução n. 20/07 do CNMP, que autoriza o Ministério Público a instaurar procedimentos investigatórios referentes a ilícito penais, em substituição à própria polícia.

Segundo os §§ 1º e 4º do inciso IV do art. 144, da C.F., é função da polícia apurar infrações penais, assim como exercer, com exclusividade, a função de polícia judiciária.

A jurisprudência do STF, na mesma linha, entende que tais funções são “de atribuição exclusiva da polícia” como se vê do ROHC 82.326-7, relator Min. Nelson Jobim, em que restou reconhecido não ter o Ministério Público competência para exercê-las. No mesmo sentido, o Tribunal decidiu que não “compete ao procurador da república assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial” (ReCn 205.473- relator Min. Carlos Mario Velloso). Ainda na mesma linha, leia-se o ROHC 81.326-7.

Por outro lado, na Constituição Federal, entre as funções atribuídas ao Ministério Público, está a de fiscalizar a atuação policial, MAS NÃO A DE SUBSTITUÍ-LA, como se lê nos incisos VII e VIII do art. 129 da CF, que autorizam o “exercício do controle externo e a requisição de diligências e de instauração de inquéritos”, mas não de investigação.

É de se lembrar, como já realçou o Min. Carlos Mário Velloso em outro julgamento (MS 21.729-DF), que “o MP, por mais importante que sejam as suas funções, não tem a obrigação de ser imparcial. Sendo parte –advogado da sociedade- a parcialidade lhe é inerente”.

Parece-me, pois, que a edição do Decreto Legislativo é necessária, visto que a Resolução do CNMP ultrapassou os limites que lhe permitia a Constituição, adentrando competências funcionais das polícias e legislativas do Congresso Nacional. Por essa razão, no uso das prerrogativas que lhe outorga a lei suprema, cabe ao Poder Legislativo a sustação dos atos normativos que invadam suas competências, nos termos do art. 49 inc. V e XI da Carta Maior.
Entendo, pois, que, por mais relevante que sejam as funções e atribuições do Ministério Público, como o são as da Advocacia - as duas instituições essenciais à administração da Justiça - o Conselho Nacional do Ministério Público ingressou em área legislativa interditada, cabendo, pois, ao Congresso Nacional sustar a indevida incursão.

Poder disciplinar no direito uruguaio

Ruben Flores Dapkevicius, Professor de direito administrativo e constitucional da Universidade da República Oriental do Uruguai e do Mestrado em direito administrativo da Universidade de Montevideo, divulga o artigo "El poder disciplinario en Uruguay". Neste trabalho o Prof. Ruben Flores analisa o regime do poder administrativo disciplinar em seu país, abordando as características principais da noção, os princípios que regem a prerrogativa, bem como a relação com as demais disciplinas, especialmente o direito penal. Trata-se de importante fonte de pesquisa para uma análise comparada com o direito brasileiro.